Dormir é o refúgio para escapar da fome. A gente se deita e espera que ele venha e nos tire a ansiedade angustiante do vazio do estômago, que grita silenciosamente sua necessidade urgente. Vivi essa realidade por várias noites, já saindo da infância.
Na verdade, nunca passei um dia de fome. Apenas a comida era pouca, racionada, insuficiente para preencher as necessidades calóricas, desenhando em mim um corpo magro, de chamar atenção.
No entanto, comemoro o fato de nunca ter ido dormir sem a certeza de que no outro dia, ao amanhecer, já haveria o mínimo. Que fosse o cotidiano café preto e um ou dois pães com margarina. Que fosse uma batata doce na falta do pão. Nesse sentido, fui privilegiado. Naquela época a maioria dos brasileiros padecia de “apetite sem esperança”, para mim o conceito mais forte da palavra fome.
Milhões de homens, mulheres e crianças amargando a prisão e a tortura da fome. Quantos deles não trocariam sua própria liberdade ao menos pelo mesmo direito que eu tinha? A fome é assim: não lhe permite escolhas, cidadania, opinião própria, dignidade… Ela lhe iguala aos animais.
Fiz uma viagem no tempo, quando vi no The Washington Post, a notícia de que o Brasil não mais fazia parte do mapa da fome. O levantamento foi feito por nada menos que a Organização das Nações Unidas (ONU). Agora, fazia parte do passado a sopa de cactos palmatória. Prato principal e único, divido por famílias sertanejas com os animais do pasto do patrão.
Aí fiquei esperando as notícias. O que diria a mídia sobre o fato de, no atual governo, 82% da população brasileira ter se libertado da condição de subalimentação? Sairia algo sobre a renda dos 20% mais pobres ter crescido três vezes mais do que a renda dos 20% mais ricos? Ou de a oferta de calorias ter crescido em 10%? Ou ainda da revelação de que, entre 2008 e 2012, as meninas de 5 anos assistidas pelo bolsa-família ficaram 0,7 centímetro mais altas; os meninos, 0,8 centímetro?
A Globo, envergonhada, dedicou ridículos 37 segundos para o assunto. Nitidamente foi forçada a informar que “vinte anos atrás, 14,8% dos brasileiros viviam na miséria; agora, esse índice é de menos de 2%”. Para se entender o nível vergonhoso do tratamento, basta comparar com as notícias da derrota do Brasil na Copa do Mundo.
Enquanto o Jornal Nacional mudava rapidamente de assunto, muitos dos milhões de brasileiros e brasileiras de todas as idades, agora libertos da fome, faziam a refeição da noite. Uma realidade nova para cada vez mais pessoas em nosso País. Uma conquista que pertence a todos nós e que precisa sim, ser comemorada, sobretudo por quem, como eu, viu bem de perto a cara apavorante do “apetite sem esperança”.
(Leilton Lima)
Dormir é o refúgio para escapar da fome. A gente se deita e espera que ele venha e nos tire a ansiedade angustiante do vazio do estômago, que grita silenciosamente sua necessidade urgente. Vivi essa realidade por várias noites, já saindo da infância.
Na verdade, nunca passei um dia de fome. Apenas a comida era pouca, racionada, insuficiente para preencher as necessidades calóricas, desenhando em mim um corpo magro, de chamar atenção.
No entanto, comemoro o fato de nunca ter ido dormir sem a certeza de que no outro dia, ao amanhecer, já haveria o mínimo. Que fosse o cotidiano café preto e um ou dois pães com margarina. Que fosse uma batata doce na falta do pão. Nesse sentido, fui privilegiado. Naquela época a maioria dos brasileiros padecia de “apetite sem esperança”, para mim o conceito mais forte da palavra fome.
Milhões de homens, mulheres e crianças amargando a prisão e a tortura da fome. Quantos deles não trocariam sua própria liberdade ao menos pelo mesmo direito que eu tinha? A fome é assim: não lhe permite escolhas, cidadania, opinião própria, dignidade… Ela lhe iguala aos animais.
Fiz uma viagem no tempo, quando vi no The Washington Post, a notícia de que o Brasil não mais fazia parte do mapa da fome. O levantamento foi feito por nada menos que a Organização das Nações Unidas (ONU). Agora, fazia parte do passado a sopa de cactos palmatória. Prato principal e único, divido por famílias sertanejas com os animais do pasto do patrão.
Aí fiquei esperando as notícias. O que diria a mídia sobre o fato de, no atual governo, 82% da população brasileira ter se libertado da condição de subalimentação? Sairia algo sobre a renda dos 20% mais pobres ter crescido três vezes mais do que a renda dos 20% mais ricos? Ou de a oferta de calorias ter crescido em 10%? Ou ainda da revelação de que, entre 2008 e 2012, as meninas de 5 anos assistidas pelo bolsa-família ficaram 0,7 centímetro mais altas; os meninos, 0,8 centímetro?
A Globo, envergonhada, dedicou ridículos 37 segundos para o assunto. Nitidamente foi forçada a informar que “vinte anos atrás, 14,8% dos brasileiros viviam na miséria; agora, esse índice é de menos de 2%”. Para se entender o nível vergonhoso do tratamento, basta comparar com as notícias da derrota do Brasil na Copa do Mundo.
Enquanto o Jornal Nacional mudava rapidamente de assunto, muitos dos milhões de brasileiros e brasileiras de todas as idades, agora libertos da fome, faziam a refeição da noite. Uma realidade nova para cada vez mais pessoas em nosso País. Uma conquista que pertence a todos nós e que precisa sim, ser comemorada, sobretudo por quem, como eu, viu bem de perto a cara apavorante do “apetite sem esperança”.
(Leilton Lima)