Para Refletir

A luta pelas vagas

26 Nov 2014

Quem já não viu pessoas fisicamente normais darem atestado de anormalidade social ao estacionar em vagas de deficientes ou idosos? Na rua do meu local de trabalho, é comum o estacionamento de carros ocupando duas vagas. Espaços que comportariam dois veículos são ocupados por um só, tornando impossível o uso do segundo espaço sem bloquear parte da entrada das garagens.

Tente mostrar para essas pessoas o nível de egoísmo de sua atitude e receberá de volta a dissimulação ou a agressividade de seus orgulhos feridos. Entra na conta das exceções as que não estão dispostas a proferir argumentos vazios de lógica, fugir para o sarcasmo ou partir para o xingamento, mas jamais admitir o erro.

É verdade que alguns nem percebem que estão prejudicando o próximo. Mas a falta de percepção da necessidade dos outros, a ponto de lhes causar danos, não muda o DNA da atitude.

Vagas de estacionamento seriam um vago problema se não espelhassem um mal que se espalha e se amplia gravemente em todos os níveis. Durante a campanha eleitoral, por exemplo, assistimos a maioria dos médicos defender de forma agressiva o direito às suas vagas no mercado de trabalho.

O motivo principal da ira do jaleco branco foi o programa Mais Médicos que preencheu, com profissionais estrangeiros, as vagas que sempre foram rejeitadas pelos médicos brasileiros. Quem se importa que mais de 70% da população aplaudem de pé a iniciativa, na hora em que os privilégios são contrariados?

Mas não foram apenas os médicos a expressar sua indignação pela mínima possibilidade de perda de espaço. Grande parte dos que detêm, ou acham que detêm, algum poder financeiro superior, dirigiu o fogo de suas metralhadoras para o que consideram ameaças às suas conquistas. Os programas sociais foram um dos alvos preferidos. O benefício previdenciário à família de presos virou “bolsa-presidiário”, o bolsa-família virou “bolsa-esmola” e assim por diante.

No fundo, a revolta é contra ações governamentais que desviam o olhar de quem já tem a vaga garantida, para aqueles que nunca tiveram sequer a chance de sonhar com uma vaga só sua.  Eles até aceitariam que o governo fizesse isso, desde que não ameaçasse o crescimento dos índices da bolsa de valores. O fato é que eles temem perder o que foi conquistado com suposto esforço individual, para as levas de beneficiados dos programas sociais do governo. Esse medo por si só aponta uma doença de alma

Mas o mal se amplia quando, além de ser uma resistência à divisão do espaço sócio-político com o próximo, a doença exige uma superioridade baseada na posse das coisas e no status socialmente elevado. Nesses casos, a pessoa não precisa ter a vaga apenas para si. Ela precisa que o outro não a tenha, para se sentir maior.

É nessa hora que a doença do egoísmo finca suas raízes no orgulho vaidoso e insensível. Juntas elas transformam pais e mães, irmãos e irmãs, em prisioneiros das coisas que compraram ou que planejam comprar, apavorados com a possibilidade de ter menos.

Do medo vem a raiva, que se transforma em ódio e transborda em intolerância. A gosma formada por esses ingredientes é o combustível que alimenta passeatas de insensatos que rogam por uma intervenção militar para lhes restabelecer a segurança de ter liberdade. Não aquela que é irmã da igualdade, mas a que aprisiona a liberdade do próximo. Essa “liberdade” vem com a certeza de que tudo continuará como está em nossa sociedade e de quebra, garante o privilégio de se estacionar livremente em duas vagas, sem ter que aturar um inferior reclamando o direito de colocar seu carro de pobre ao lado.

A luta pelas vagas

26 Nov 2014

Quem já não viu pessoas fisicamente normais darem atestado de anormalidade social ao estacionar em vagas de deficientes ou idosos? Na rua do meu local de trabalho, é comum o estacionamento de carros ocupando duas vagas. Espaços que comportariam dois veículos são ocupados por um só, tornando impossível o uso do segundo espaço sem bloquear parte da entrada das garagens.

Tente mostrar para essas pessoas o nível de egoísmo de sua atitude e receberá de volta a dissimulação ou a agressividade de seus orgulhos feridos. Entra na conta das exceções as que não estão dispostas a proferir argumentos vazios de lógica, fugir para o sarcasmo ou partir para o xingamento, mas jamais admitir o erro.

É verdade que alguns nem percebem que estão prejudicando o próximo. Mas a falta de percepção da necessidade dos outros, a ponto de lhes causar danos, não muda o DNA da atitude.

Vagas de estacionamento seriam um vago problema se não espelhassem um mal que se espalha e se amplia gravemente em todos os níveis. Durante a campanha eleitoral, por exemplo, assistimos a maioria dos médicos defender de forma agressiva o direito às suas vagas no mercado de trabalho.

O motivo principal da ira do jaleco branco foi o programa Mais Médicos que preencheu, com profissionais estrangeiros, as vagas que sempre foram rejeitadas pelos médicos brasileiros. Quem se importa que mais de 70% da população aplaudem de pé a iniciativa, na hora em que os privilégios são contrariados?

Mas não foram apenas os médicos a expressar sua indignação pela mínima possibilidade de perda de espaço. Grande parte dos que detêm, ou acham que detêm, algum poder financeiro superior, dirigiu o fogo de suas metralhadoras para o que consideram ameaças às suas conquistas. Os programas sociais foram um dos alvos preferidos. O benefício previdenciário à família de presos virou “bolsa-presidiário”, o bolsa-família virou “bolsa-esmola” e assim por diante.

No fundo, a revolta é contra ações governamentais que desviam o olhar de quem já tem a vaga garantida, para aqueles que nunca tiveram sequer a chance de sonhar com uma vaga só sua.  Eles até aceitariam que o governo fizesse isso, desde que não ameaçasse o crescimento dos índices da bolsa de valores. O fato é que eles temem perder o que foi conquistado com suposto esforço individual, para as levas de beneficiados dos programas sociais do governo. Esse medo por si só aponta uma doença de alma

Mas o mal se amplia quando, além de ser uma resistência à divisão do espaço sócio-político com o próximo, a doença exige uma superioridade baseada na posse das coisas e no status socialmente elevado. Nesses casos, a pessoa não precisa ter a vaga apenas para si. Ela precisa que o outro não a tenha, para se sentir maior.

É nessa hora que a doença do egoísmo finca suas raízes no orgulho vaidoso e insensível. Juntas elas transformam pais e mães, irmãos e irmãs, em prisioneiros das coisas que compraram ou que planejam comprar, apavorados com a possibilidade de ter menos.

Do medo vem a raiva, que se transforma em ódio e transborda em intolerância. A gosma formada por esses ingredientes é o combustível que alimenta passeatas de insensatos que rogam por uma intervenção militar para lhes restabelecer a segurança de ter liberdade. Não aquela que é irmã da igualdade, mas a que aprisiona a liberdade do próximo. Essa “liberdade” vem com a certeza de que tudo continuará como está em nossa sociedade e de quebra, garante o privilégio de se estacionar livremente em duas vagas, sem ter que aturar um inferior reclamando o direito de colocar seu carro de pobre ao lado.

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