Para Refletir

O povo, o titereiro e o cão

26 Oct 2018

Por Leilton Lima*

Ele era o homem de respeito daquela pequena aldeia. Mas só durante o dia. Oculto pelo manto escuro da noite, costumava sair casa em casa furtando pertences dos vizinhos. Uma vez ao mês viajava para terras distantes onde comercializa o produto dos furtos, o que aos poucos o tornara um homem de posses.

Ao voltar das viagens trazia quinquilharias que faziam a festa dos aldeões. Era também um ativo prestador de favores, sempre pronto a fazer pequenas gentilezas a quem o procurasse. Sua ambição: conquistar das mãos do rei o título de conde, tornando-se rico e influente.

Mas um fato colocou em risco os seus planos. Um dos aldeões, cansado das constates perdas causadas pelos furtos, adquiriu um cão de guarda. Não um dos conhecidos cães da aldeia que abanavam o rabo para o larápio. Esse não o conhecia. A estratégia de dar petiscos não poderia ser aplicada já que o cão era mantido longe do contato com as pessoas.

O vigarista viu seus planos irem por água a baixo. Já não conseguia quase nada nas incursões criminosas na calada da noite. Para piorar, a diminuição dos furtos chamou a atenção e outros já falavam em seguir o exemplo do dono do cão de guarda. Ele precisava dar um jeito naquela situação e com urgência!

No outro dia de manhã, falou com o morador mais próximo, que na última viagem ouvira falar em um surto de raiva canina. Só precisou estender a informação para mais três pessoas para que a história chegasse ao conhecimento de toda aldeia e com ela o medo de uma epidemia mortal.

Com o sucesso da primeira parte do plano, a segunda parte ficou fácil de ser aplicada. O cão de guarda foi apontado por ele como vítima da raiva. A falsa notícia se espalhou com a velocidade de toda má notícia incendiada pelo medo.

A comunidade precisa se proteger da doença incurável. Nas conversas entre os mais próximos, começou-se a se desenhar a necessidade urgente de se sacrificar o animal. O dono do cão protestou veementemente. Seu cachorro não tinha nenhum sintoma de raiva. Mas foi imediatamente acusado de tentar proteger o bicho de estimação.

Um vizinho, que frequentava a casa do acusado saiu em sua defesa. Argumentou, com base na observação dos fatos, que a histeria não tinha sentido e que o animal estava saudável. Em vão. Conseguiu convencer uns poucos e outros até acharam que poderia ser verdade, mas acharam por bem não arriscar. A maioria, no entanto, não tinha dúvidas: o bicho precisava morrer para que eles não se tornassem as próximas vítimas.

Naquela noite, o embusteiro saiu de casa em casa, conclamando os homens a acenderem suas tochas e rumarem para a casa do dono do animal tido como ameaça à vida de toda a aldeia. Em poucos minutos o conjunto formado pelas tochas iluminava a noite sem lua, exibindo rostos crispados de raiva e de medo.

Ao chegar ao local, a massa caiu feroz sobre o dono do cão e o dominou. Alheios ao choro e às súplicas da esposa e filhos, a casa foi invadida e o cão caiu morto sob uma tempestade de golpes que dilaceraram-lhe o corpo. A cabeça foi cortada fora e exibida como troféu pelo farsante. A família foi expulsa da aldeia. Seus defensores, calaram-se sob ameaças de que lhes aconteceria o mesmo.

O vigarista voltou a agir livremente e para impedir novos problemas, determinou que a partir daquele momento doaria para a comunidade uma matilha de cães de guarda, que ficariam sob os seus cuidados exclusivos. Recebeu o aplauso e a gratidão de todos.

Não durou muito e a aldeia participou de uma grande festa em comemoração ao título de conde, conquistado por seu mais nobre morador.

(Leilton Lima é jornalista e assessor do SINTE/RN)

O povo, o titereiro e o cão

26 Oct 2018

Por Leilton Lima*

Ele era o homem de respeito daquela pequena aldeia. Mas só durante o dia. Oculto pelo manto escuro da noite, costumava sair casa em casa furtando pertences dos vizinhos. Uma vez ao mês viajava para terras distantes onde comercializa o produto dos furtos, o que aos poucos o tornara um homem de posses.

Ao voltar das viagens trazia quinquilharias que faziam a festa dos aldeões. Era também um ativo prestador de favores, sempre pronto a fazer pequenas gentilezas a quem o procurasse. Sua ambição: conquistar das mãos do rei o título de conde, tornando-se rico e influente.

Mas um fato colocou em risco os seus planos. Um dos aldeões, cansado das constates perdas causadas pelos furtos, adquiriu um cão de guarda. Não um dos conhecidos cães da aldeia que abanavam o rabo para o larápio. Esse não o conhecia. A estratégia de dar petiscos não poderia ser aplicada já que o cão era mantido longe do contato com as pessoas.

O vigarista viu seus planos irem por água a baixo. Já não conseguia quase nada nas incursões criminosas na calada da noite. Para piorar, a diminuição dos furtos chamou a atenção e outros já falavam em seguir o exemplo do dono do cão de guarda. Ele precisava dar um jeito naquela situação e com urgência!

No outro dia de manhã, falou com o morador mais próximo, que na última viagem ouvira falar em um surto de raiva canina. Só precisou estender a informação para mais três pessoas para que a história chegasse ao conhecimento de toda aldeia e com ela o medo de uma epidemia mortal.

Com o sucesso da primeira parte do plano, a segunda parte ficou fácil de ser aplicada. O cão de guarda foi apontado por ele como vítima da raiva. A falsa notícia se espalhou com a velocidade de toda má notícia incendiada pelo medo.

A comunidade precisa se proteger da doença incurável. Nas conversas entre os mais próximos, começou-se a se desenhar a necessidade urgente de se sacrificar o animal. O dono do cão protestou veementemente. Seu cachorro não tinha nenhum sintoma de raiva. Mas foi imediatamente acusado de tentar proteger o bicho de estimação.

Um vizinho, que frequentava a casa do acusado saiu em sua defesa. Argumentou, com base na observação dos fatos, que a histeria não tinha sentido e que o animal estava saudável. Em vão. Conseguiu convencer uns poucos e outros até acharam que poderia ser verdade, mas acharam por bem não arriscar. A maioria, no entanto, não tinha dúvidas: o bicho precisava morrer para que eles não se tornassem as próximas vítimas.

Naquela noite, o embusteiro saiu de casa em casa, conclamando os homens a acenderem suas tochas e rumarem para a casa do dono do animal tido como ameaça à vida de toda a aldeia. Em poucos minutos o conjunto formado pelas tochas iluminava a noite sem lua, exibindo rostos crispados de raiva e de medo.

Ao chegar ao local, a massa caiu feroz sobre o dono do cão e o dominou. Alheios ao choro e às súplicas da esposa e filhos, a casa foi invadida e o cão caiu morto sob uma tempestade de golpes que dilaceraram-lhe o corpo. A cabeça foi cortada fora e exibida como troféu pelo farsante. A família foi expulsa da aldeia. Seus defensores, calaram-se sob ameaças de que lhes aconteceria o mesmo.

O vigarista voltou a agir livremente e para impedir novos problemas, determinou que a partir daquele momento doaria para a comunidade uma matilha de cães de guarda, que ficariam sob os seus cuidados exclusivos. Recebeu o aplauso e a gratidão de todos.

Não durou muito e a aldeia participou de uma grande festa em comemoração ao título de conde, conquistado por seu mais nobre morador.

(Leilton Lima é jornalista e assessor do SINTE/RN)

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